terça-feira, 28 de abril de 2015

Olho de Vidro



O olho de vidro da câmera não é um olho como outro qualquer. Está para espelho do cérebro assim como o olho humano está para o espelho da alma. Francamente, talvez não haja mesmo grande diferença entre uma fotografia e a alma (ou a consciência) de quem a imaginou, de quem a tornou possível. Sendo assim, e aproveitando para alimentar os mistérios de nossa filosofia vã, a fotografia questiona a verdade e abre um mundo de possibilidades. Se ela é um fragmento em registro do real e são diversas as versões a respeito dos fatos, a fotografia em muitos momentos torna-se mais uma pista do fotógrafo do que do fato em si. 

Embora enquanto manipuladora de fotografias eu seja uma perfeita mentirosa, não posso dizer o mesmo sobre o que há de mim naquilo que realizo, naquilo que manipulo. Minhas digitais, pedaços da minha personalidade ficam arraigados nos meus resultados de modo indissociável. Se posso dizer que eu não me fazia presente em determinada fotografia e nela me coloco, me apropriando do registro anterior, eu crio uma coisa nova na qual estou presente e faço parte.

Sendo assim arrisco dizer que o artista se torna a Alice e a fotografia o Mundo das Maravilhas, sendo a câmera o Gato e a crítica o flâuner entre a Rainha Branca e a Vermelha. O eu não quero saber do lirismo que não é libertação (Manuel Bandeira) levanta o debate, seja a respeito das ações de Alice ou seja a respeito da construção do Mundo das Maravilhas anterior a protagonista.

Com um olho de vidro passeio pelo tempo e pelo espaço numa planície quente e linda. Adentro pelos anos ao lado de conterrâneos anônimos e (re)conheço Feira de Santana a partir dos ângulos de vários alguéns, e preciso dizer o quão mágico isso pode ser.


Fonte da imagem:
Alice no país das maravilhas, filme. Direção de Clyde Geronimi, Wilfred Jackson e Hamilton Luske. Reino Unido, 1951.

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