domingo, 14 de junho de 2015

Qual cor tem as ruínas?

Casarão do orfanato evangélico da Igreja Assembléia de Deus


O casarão sempre me chamou a atenção. Fosse pela opulência em ruínas ou fosse por aqueles que o habitavam depois de sua falência, eu não conseguia desviar os olhos do cenário incomum. Eu era uma criança de estatura mediana, mas os bancos dos ônibus são feitos para adultos e eu precisava me erguer para olhar, e claro, sentar ao lado da janela. Crianças sempre são chatas quando se trata de janelas. No início dos anos 2000 seria difícil dizer a cor do pouco de tinta que encobria aquelas paredes desgastadas. Bege talvez, ou amarelo desbotado. Ou seria azul? Qual cor tem as ruínas? O casarão não era mais orfanato, embora eu não pudesse afirmar que as crianças que viviam ali tivessem família, e tampouco evangélico.

Eram todos negros. Todos, sem exceção, tinham a pele escura. As crianças, de vários tamanhos, brincavam em frente à estrutura decadente. Algumas tinham a barriga grande demais, desproporcional ao corpo. As mulheres usavam lenços na cabeça e eu sempre as via com bebês no colo ou estendendo roupas. Lenços na cabeça lembram a minha avó. Mulher negra, pobre e de Umbanda que veio da roça. Embora os filhos pardos sejam racistas. Embora eu, mestiça de pela clara, desfrute dos privilégios dos brancos e de um batismo católico na infância quando ainda não tinha idade para falar. Embora hoje minha avó não use mais lenços na cabeça e tenha aderido à religião evangélica. Talvez hoje ela alise os cabelos. Eu não saberia dizer, já que não reparei nisso na minha última visita anual. Tristeza e ódio social muitas vezes entalam na garganta. Embora a hipocrisia os façam descer, empurrando-os em direção ao estômago.



Fonte da imagem:
Fotos da princesa do Sertão Feira de Santana - Bahia (página do facebook)

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Processo artístico #7

Paço municipal, cerimônia cívica, década de 60


Paço municipal, cerimônia cívica, 2015





Fonte:
Imagem 1: Fotos da princesa do sertão Feira de Santana - Bahia (página do facebook)
Processo artístico com colaboração de Vitor Vandré 

Processo artístico #6

Casarão do orfanato evangélico da Igreja Assembléia de Deus


Casarão do orfanato evangélico da Igreja Assembléia de Deus, 2015





Fonte:
Imagem 1: Fotos da princesa do sertão Feira de Santana - Bahia (página do facebook)
Processo artístico com colaboração de Vitor Vandré 

Processo artístico #5

Desfile do 7 de Setembro, Av. Getúlio Vargas, década de 60


Desfile do 7 de Setembro, Av. Getúlio Vargas, 2015





Fonte:
Imagem 1: Fotos da princesa do sertão Feira de Santana - Bahia (página do facebook)
Processo artístico com colaboração de Vitor Vandré 

Processo artístico #4

Rua Sales Barbosa, década de 20


Rua Sales Barbosa, 2015





Fonte:
Imagem 1: Fotos da princesa do sertão Feira de Santana - Bahia (página do facebook)
Processo artístico com colaboração de Vitor Vandré 

Processo artístico #3

Desfile do 7 de Setembro, na Praça J. Pedreira, década de 30


Desfile do 7 de Setembro, na Praça J. Pedreira, 2015





Fonte:
Imagem 1: Fotos da Princesa do Sertão Feira de Santana - Bahia (página do facebook)
Processo artístico com colaboração de Vitor Vandré 

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Os 7 das saias de pregas

Desfile de 7 de setembro de 1970. No primeiro plano Gildete Galeão, a baliza da Banda Santanópolis


Minha mãe sempre me contava de como gostava de desfilar no 7 de Setembro. Suas narrações tinham pouco de patriotismo. Era o entusiasmo de uma pré-adolescente usando saia de pregas e girando um bastão verde e amarelo entre as amigas, representando o colégio, centro das atenções, orgulhosa da pátria. Somando a alegria nostálgica das várias vezes em que ela me contava suas "histórias de 7 de Setembro" com as histórias de uma estudante de colégio público nos anos 70 no geral, a ideia que eu fazia de ser adolescente era a de um ser mitológico livre que passeava pela cidade usando saia de pregas.

Cresci e aos 14 anos deixei uma escola de bairro para estudar num colégio público no centro da cidade, o Colégio Modelo. A liberdade de estudante adolescente é uma experiência maravilhosa. Minha mãe provou a razão. Compareci à poucos 7 de Setembro. Meus pais não têm apego histórico e desconversavam quando me viam pequena e irritante batendo o pé para ver o desfile. Minha mãe não era mais estudante, meu pai fala pouco sobre si.

Certa vez fui sozinha. Acordei cedo e peguei um ônibus. Marquei com minha melhor amiga. Parecia micareta. À essa altura do tempo o desfile acontecia na Av. Presidente Dutra, em frente ao colégio onde eu estudava. Infelizmente para mim, já não chamavam mais os estudantes das escolas da cidade para desfilarem. Embora o meu pseudo-patriotismo inocente de adolescente quase tenha me levado ao exército, o que eu queria mesmo era desfilar usando uma saia de pregas.


Desfile de 7 de setembro de 1970, Colégio Santanópolis


Fonte das imagens:
Fotos da princesa do Sertão Feira de Santana - Bahia (página do facebook)

terça-feira, 28 de abril de 2015

Processo artístico #2

Desfile do 7 de Setembro, Rua Carlos Gomes, década de 60


 Desfile do 7 de Setembro, Rua Carlos Gomes, 2015





Fonte:
Imagem 1: Fotos da princesa do sertão Feira de Santana - Bahia (página do facebook)

Processo artístico com colaboração de Vitor Vandré 

Processo artístico #1

Museu Regional CUCA, Rua Conselheiro Franco, década de 40


CUCA, Rua Conselheiro Franco, 2015




Fonte:
Imagem 1: Fotos da princesa do sertão Feira de Santana - Bahia (página do facebook)
Processo artístico com colaboração de Vitor Vandré 

Olho de Vidro



O olho de vidro da câmera não é um olho como outro qualquer. Está para espelho do cérebro assim como o olho humano está para o espelho da alma. Francamente, talvez não haja mesmo grande diferença entre uma fotografia e a alma (ou a consciência) de quem a imaginou, de quem a tornou possível. Sendo assim, e aproveitando para alimentar os mistérios de nossa filosofia vã, a fotografia questiona a verdade e abre um mundo de possibilidades. Se ela é um fragmento em registro do real e são diversas as versões a respeito dos fatos, a fotografia em muitos momentos torna-se mais uma pista do fotógrafo do que do fato em si. 

Embora enquanto manipuladora de fotografias eu seja uma perfeita mentirosa, não posso dizer o mesmo sobre o que há de mim naquilo que realizo, naquilo que manipulo. Minhas digitais, pedaços da minha personalidade ficam arraigados nos meus resultados de modo indissociável. Se posso dizer que eu não me fazia presente em determinada fotografia e nela me coloco, me apropriando do registro anterior, eu crio uma coisa nova na qual estou presente e faço parte.

Sendo assim arrisco dizer que o artista se torna a Alice e a fotografia o Mundo das Maravilhas, sendo a câmera o Gato e a crítica o flâuner entre a Rainha Branca e a Vermelha. O eu não quero saber do lirismo que não é libertação (Manuel Bandeira) levanta o debate, seja a respeito das ações de Alice ou seja a respeito da construção do Mundo das Maravilhas anterior a protagonista.

Com um olho de vidro passeio pelo tempo e pelo espaço numa planície quente e linda. Adentro pelos anos ao lado de conterrâneos anônimos e (re)conheço Feira de Santana a partir dos ângulos de vários alguéns, e preciso dizer o quão mágico isso pode ser.


Fonte da imagem:
Alice no país das maravilhas, filme. Direção de Clyde Geronimi, Wilfred Jackson e Hamilton Luske. Reino Unido, 1951.

João Urban e a memória melancólica

Sr. Francisco Czelusniack, Araucária, 1987.


João Urban nasceu em 1943 em Curitiba (PR). Descendente de imigrantes polacos aqui radicados desde inícios do séc. XX, é um dos mais importantes fotógrafos da tradição dos grandes documentaristas brasileiros.

Começou a expor em finais da década de (19)70, foi por diversas vezes premiado e o seu trabalho tem sido objecto de estudo em teses e dissertações acadêmicas, especialmente a partir das abordagens que fez aos 'bóias-frias' e aos imigrantes poloneses e seus descendentes. Entretanto colaborou na revista «LaGioconda.Art», onde publicou fotografias de cariz mais urbano. Em 2006/2007 foi objecto de uma grande retrospectiva no Museu Oscar Niemeyer, Curitiba: «Demarcação Temporal — João Urban — 40 anos de fotografia».

Pode-se dizer que em grande parte a sua fotografia é caracterizada pela mesma personalidade dos «Sentimentais, melancólicos e trabalhadores infatigáveis, os polacos [que] espalharam pelo sul do Paraná o som triste de suas canções», segundo o texto que Tereza Urban escreveu para o catálogo da galeria Funarte em 1983.


«Bóias-Frias» — Astorga, 1977.

«Bóias-Frias» — Astorga, 1977.

«Bóias-Frias» — Terreiro de café da fazenda Setti. Jacarezinho, 1981.

«Poloneses» — Senhor Leonardo Wierzbichi com sanfona. Santana, Cruz Machado, 1999.

«Poloneses» — D. Alexandra Pula com a sua roca. Santana, Cruz Machado, 1987.

João Urban



Fontes:
Seminário Poéticas Fotográficas no Brasil, disciplina de Fotografia II do curso de Artes Visuais - UFRB, apresentado em Março de 2015.

domingo, 5 de abril de 2015

O tempo, a história e as ruas

Paço municipal, cerimônia cívica, década de 60


Cruzamento da Av. Senhor dos Passos com a Av. Getúlio Vargas, coração do centro da cidade, Feira de Santana. Nos horários de pico as vias fervilham de gente, de carros, de ambulantes. Os feirenses estão acostumados com o calor e a baixa umidade do ar, mas ao meio dia, com o sol escaldante no alto do céu, o centro ferve. O paço municipal todo mundo conhece, é referência de localização. Mas todo mundo chama de prefeitura. E não é? "Com licença, você poderia me informar onde fica a Ótica tal e tal?". "Claro senhora, em frente à prefeitura".

No dia em que essa fotografia foi tirada em cerimônia cívica, os feirenses estavam presente. Homens adultos em sua maioria. Nos anos 60 onde estariam as mulheres? 50 anos depois, nas manifestações de Junho de 2013, 10 mil pessoas lotavam essas duas avenida. O país assistiu suas ruas se tornando palco de protestos contra os aumentos injustos da passagem de ônibus, contra a PEC 37, entre outros motivos que se justificavam pela insatisfação política e econômica. Os partidos políticos se digladiavam pelos seus próprios interesses. Em sua maioria os manifestantes eram estudantes, mas haviam crianças e idosos. As mulheres estavam presentes, como deve e precisa ser, construindo a história. Cartazes erguidos e caras pintadas, nessa data exata, dia 20 de Junho de 2013 eu fazia 19 anos e estava na rua pintando os rostos desconhecidos de verde e amarelo.




Fonte:

Imagem1: Fotos da Princesa do Sertão Feira de Santana - Bahia (página do facebook);
Imagem 2: Acervo próprio.

Um broche num vestido curto

Escola Normal (hoje museu regional CUCA), Rua Conselheiro Franco, década de 40


Quando eu penso em memórias me vem à cabeça um filme intenso e ensolarado de uma infância querida e não muito tardia. Considerando a Era Tecnológica que estamos vivenciando, o tempo parece ser medido de outra forma: parece ter sido à muitos anos. A primeira vez que vi um computador devia ter 10 anos e o programa mais legal era o Media Player por causa das imagens que passavam enquanto tocava a música, mas tarde veio a ser o Campo Minado e depois o Paint, e assim por diante.

Nasci e cresci numa planície semi-árida, onde cactos nascem em telhados e se mantém fortes e saudáveis até mesmo no verão, onde cigarras cantavam todos os dias pontualmente às seis da tarde e onde o céu no fim da tarde adquire tons impressionáveis de rosa e lilás que enquadram a enorme bola laranja de fogo em que o sol se transforma.

A primeira vez em que estive no CUCA foi no meu aniversário de doze anos, estava em cartaz uma peça infantil chamada Maria Minhoca - que acontecia ainda até uns dois anos atrás. Voltei alguns anos depois para tentar me matricular num curso de violão popular, mas todas as vagas estavam preenchidas. O prédio antigo sempre me chamou a atenção. Lembrava-me uma senhora já idosa e segura de si, a arte que circulava em sua atmosfera seduzia. Erguido numa rua comercial, como costuma ser o centro de Feira de Santana, se destaca sóbrio como um broche num vestido curto. Mais tarde quando passei a estudar no centro da cidade, se esgueirar escondida por entre as salas do CUCA se tornou um hábito divertido. Brincar com as teclas dos seus antigos pianos de cauda, sentar em seus bancos sob a sombra fresca de suas árvores enquanto o clima quente se fazia sentir na cidade e arrastar os amigos mais próximos para essas aventuras marcou minha adolescência. A memória é um oceano de história(s).


Fonte: Fotos da Princesa do Sertão Feira de Santana - Bahia (página do facebook)

sábado, 4 de abril de 2015

A arte da mentira


"Oh beleza, onde está tua verdade?"
Skakespeare



Susan Sontag
Ensaios sobre a Fotografia


No capítulo 4 do seu livro, O heroísmo da visão,  Stong destemidamente afirma: o que leva as pessoas a fotografar é a procura da beleza. Pode-se dizer que existe um consenso universal na beleza da natureza, não é à toa que ela aparece exaustivamente em fotografias (principalmente entre fotógrafos amadores) e continua a aparecer mesmo depois de desgastado. Você seria capaz de dizer o número de imagens de pôr-dos-sóis que já viu na vida?

De fato se percorrermos as fotografias ao longo dos anos perceberemos inclusive que ela procura embelezar o feio, o triste, o repudiante até. Quando perguntada sobre o que acahava de um vernissage sobre desconhecidos, Alice, personagem do filme Closer, responde na lata: "O que eu acho de tudo isso? É uma mentira. São desconhecidos tristes e solitários fotografados com beleza, e todos aqueles que trabalham ou que dizem gostar de arte acham maravilhoso porque no fundo, todo mundo adora uma boa mentira" e volta-se para um enorme retrato seu, tirado enquanto chorava, pendurado na parede da galeria.

Quando foi apresentada ao mundo, a fotografia impressionou pelo seu registro fiel da realidade, pela exatidão das formas e do instante. Quando mais tarde, percebeu-se que os negativos e as imagens poderiam ser manipulados e que a câmera poderia mentir, o retrato tornou-se muito mais popular. Peter Burke, historiador, alerta tanto para a importância quanto para o perigo que representa o uso das imagens como registro histórico. Segundo ele a fotografia não representa a história, ela é história em si.

É claro que enquanto algumas pessoas buscam reproduzir imagens que repitam os padrões já aceitos de beleza, outras buscam subverter e se mostram bem dispostas a desafiá-las. Assim se considerou o modernista Weston, que no fogo cruzado ideológico sobre a fotografia ser ou não uma arte, buscou a sensibilidade pictórica fotografando artisticamente. O que Weston não poderia imaginar é que as noções de beleza (inclusive a sua) se banalizam de acordo com o tempo e que sua insistência pela beleza se perde quando consideramos a perfeição um elemento maleável.


Fotografia de Weston, o homem inovador de visão romântica


O olho de vidro da câmera quando registra algo ou alguém pode revelar mais sobre o fotógrafo do que a coisa fotografada, assim como, eu arrisco dizer, em todas as linguagens artísticas. A verdade válida é a do mundo particular do fotógrafo e, quanto às correlações, deixemos para a psicologia. O fotógrafo é um poeta a quem a realidade escorre líquida por entre as mãos. A busca pela beleza e pela verdade é antiga e vem lá de Platão. O olho humano sempre buscou o belo, para que negá-lo? Para que serve essa ardente insistência do retrato da verdade absoluta? Admitamos: todo mundo adora uma boa mentira.


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Fontes:

Closer, (EUA, 2004), direção de Mike Nichols e roteiro de Patrick Marber;
BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru: EDUSC, 2004;
Imagem 1 (http://www.cinemaemcena.com.br/plus/modulos/filme/ver.php?cdfilme=2264);
Imagem 2 (https://www.pinterest.com/petraherings/edward-weston/);
Imagem 3 (http://sharethefiles.com/forum/viewtopic.php?t=23802).

quarta-feira, 25 de março de 2015

A câmera clara, BARTHES Roland



A fotografia era uma das paixões de BARTHES. Quando ele se deparou com a excessividade de técnicas e ausência de subjetividade nos textos do tema, decidiu escrever um livro que tratasse de  impressões e falasse da fotografia como arte inspiradora (e inspiratória). Surge assim a Câmera Clara, um livro em primeira pessoa que passeia pelas experiências do autor. BARTHES não tem a pretensão de reafirmar conceitos ou processos fotográficos já massificados, ele discorre sobre o que há de filosófico atrás de uma imagem, o porquê dessa ou daquela fotografia nos chamar mais a atenção que as demais. O autor se utiliza dos termos Punctum e Studium para conceituar essas impressões. Um livro base para quem se interessa por imagem e poética.



Fonte da imagem: http://fantochesdeluz.blogspot.com.br/2010/04/camara-clara.html