sábado, 4 de abril de 2015

A arte da mentira


"Oh beleza, onde está tua verdade?"
Skakespeare



Susan Sontag
Ensaios sobre a Fotografia


No capítulo 4 do seu livro, O heroísmo da visão,  Stong destemidamente afirma: o que leva as pessoas a fotografar é a procura da beleza. Pode-se dizer que existe um consenso universal na beleza da natureza, não é à toa que ela aparece exaustivamente em fotografias (principalmente entre fotógrafos amadores) e continua a aparecer mesmo depois de desgastado. Você seria capaz de dizer o número de imagens de pôr-dos-sóis que já viu na vida?

De fato se percorrermos as fotografias ao longo dos anos perceberemos inclusive que ela procura embelezar o feio, o triste, o repudiante até. Quando perguntada sobre o que acahava de um vernissage sobre desconhecidos, Alice, personagem do filme Closer, responde na lata: "O que eu acho de tudo isso? É uma mentira. São desconhecidos tristes e solitários fotografados com beleza, e todos aqueles que trabalham ou que dizem gostar de arte acham maravilhoso porque no fundo, todo mundo adora uma boa mentira" e volta-se para um enorme retrato seu, tirado enquanto chorava, pendurado na parede da galeria.

Quando foi apresentada ao mundo, a fotografia impressionou pelo seu registro fiel da realidade, pela exatidão das formas e do instante. Quando mais tarde, percebeu-se que os negativos e as imagens poderiam ser manipulados e que a câmera poderia mentir, o retrato tornou-se muito mais popular. Peter Burke, historiador, alerta tanto para a importância quanto para o perigo que representa o uso das imagens como registro histórico. Segundo ele a fotografia não representa a história, ela é história em si.

É claro que enquanto algumas pessoas buscam reproduzir imagens que repitam os padrões já aceitos de beleza, outras buscam subverter e se mostram bem dispostas a desafiá-las. Assim se considerou o modernista Weston, que no fogo cruzado ideológico sobre a fotografia ser ou não uma arte, buscou a sensibilidade pictórica fotografando artisticamente. O que Weston não poderia imaginar é que as noções de beleza (inclusive a sua) se banalizam de acordo com o tempo e que sua insistência pela beleza se perde quando consideramos a perfeição um elemento maleável.


Fotografia de Weston, o homem inovador de visão romântica


O olho de vidro da câmera quando registra algo ou alguém pode revelar mais sobre o fotógrafo do que a coisa fotografada, assim como, eu arrisco dizer, em todas as linguagens artísticas. A verdade válida é a do mundo particular do fotógrafo e, quanto às correlações, deixemos para a psicologia. O fotógrafo é um poeta a quem a realidade escorre líquida por entre as mãos. A busca pela beleza e pela verdade é antiga e vem lá de Platão. O olho humano sempre buscou o belo, para que negá-lo? Para que serve essa ardente insistência do retrato da verdade absoluta? Admitamos: todo mundo adora uma boa mentira.


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Fontes:

Closer, (EUA, 2004), direção de Mike Nichols e roteiro de Patrick Marber;
BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru: EDUSC, 2004;
Imagem 1 (http://www.cinemaemcena.com.br/plus/modulos/filme/ver.php?cdfilme=2264);
Imagem 2 (https://www.pinterest.com/petraherings/edward-weston/);
Imagem 3 (http://sharethefiles.com/forum/viewtopic.php?t=23802).

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